O amor da minha mãe pelas palavras
O meu amor pelas palavras vem da minha mãe. Me lembro perfeitamente do dia em que ela recitou para mim o verso do poeta fingidor de Fernando Pessoa e o tamanho do deslumbre que me tomou. Eu mesmo ainda não era capaz de traduzir o que senti para a língua portuguesa, mas provavelmente seria algo como “a gente pode fazer isso? Pode, realmente, escolher como dispor as palavras, uma depois da outra, para formular algo que não é só discurso, mas sentimento?”. Depois dessa primeira vez, eu pedia para ouvir o verso de novo, e de novo. “Como era mesmo, mãe?”.
Algum tempo mais tarde, na tentativa de me consolar, ao mesmo tempo que me ensinava suas limitações de ser humano, que não sabe de tudo e tem o direito de ser vulnerável, ela me disse aquela de Shakespeare: “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia”. Novamente, foi aquela explosão sensorial, sentimental, e sempre que eu me via em uma situação misteriosa, fora do meu controle, perguntava “como era mesmo, mãe?”. Porque não bastava conhecer a frase, era preciso ouvir de sua voz, era uma delícia ouvir de sua voz. No correr do tempo, vieram outras frases, outros autores, poetas, compositores, e minha mãe foi lentamente, e talvez inadvertidamente, deitando os tijolos que fundaram minha paixão por escrever.
É gostoso pensar que essa paixão nasceu na voz dela, gerada por ela -- paixão irmã. Nesse caso, não tem como separar a citação da pessoa que cita, porque ouvir aquilo da minha mãe era outra maneira de ser nutrido, carregado, protegido. E não dá para dizer que a minha ânsia em estar rodeado por palavras não seja, em parte, o meu desejo de retornar àquele mundo -- até porque, essa ânsia aumenta quanto mais envelheço, quanto mais me afasto da escuta cândida, do deslumbre primordial.
A foto acima é uma demonstração do amor de minha mãe pelas palavras. Prova que ela reconhece o poder, a profundidade e a maleabilidade que possuem: é uma lista de todas as palavras “erradas” que a minha sobrinha diz, para nos lembrar de como são depois que ela aprender o jeito “certo” de pronunciá-las. Ao fazer essa lista, ela sabe que deve encorajar a pequenina a falar corretamente, e que esse momento vai chegar num piscar de olhos. Mas também celebra essas palavras, que de erradas não têm nada, apenas escapam da norma; não são mal pronunciadas, e sim representam a liberdade. Sua neta brinca com elas na boca da mesma maneira que brinca com o corpo no parque. Tudo solto, sem restrições, sem autocrítica, só vontade de viver. São palavras que carregam mais do que seu próprio significado: carregam amor, saudade, receio, desejo, resistência, alegria… tudo isso coberto de fugacidade. Duvido, honestamente, que Pessoa e Shakespeare discordariam comigo quando afirmo que essas palavras são a mais pura poesia.
Muito obrigada meu filho !!! Como me orgulho de vc!!! Mil bjs com muitas saudade!!!!!!
Maravilhoso!!!!